Existem vários jeitos de conhecer Buenos Aires. Podemos ficar presos no circuito turístico Palermo – Recoleta – escapadinha para o Caminito + San Telmo no domingo – Centro. Geralmente, esse caminho é feito engolindo as ideias pré-concebidas sobre argentinos que nos vendem, “arrogantes”, “metidos”. Mas também podemos seguir aquele espírito do bom viajante, o de que se deixa levar pelo novo lugar, pela nova cultura. Brasileiros e argentinos são muito mais parecidos do que se percebe em um primeiro momento, e talvez seja por isso que amamos tanto ir para Buenos Aires. Ah, e vamos desde o início deixar bem claro: existe uma diferença abissal entre “ir para a Argentina” e “ir para Buenos Aires”. Inclusive nas pessoas. Só uma de tantas “idiossincrasias” deles.
Esse guia foi montado pensando em quem quer conhecer a essência da verdadeira Buenos Aires. Uma cidade que foi, é e sempre será construída por imigrantes de todos os lados, e por isso, tão cosmopolita. Uma cidade feita por gente orgulhosa de sua história, mas com uma capacidade incrível de rir de si mesmo. Eu já dei essas dicas para muita gente e todos que leram, mais cedo ou mais tarde, me confessaram que “Buenos Aires é uma cidade onde se pode morar”.
Sempre que me pedem dicas de Buenos Aires, fico naquele dilema: “não conheço nada de bacana e turístico, só posso dar dicas de povão trabalhador que morou por lá com grana contada”, mas tem algumas regras que valem para turistas e locais: segurança é uma delas. Claro que nós, brasileiros, tiramos de letra o medo de estar na rua, mas todo mundo costuma baixar a guarda quando está passeando. Muita atenção em locais cheios, principalmente a Calle Florida e ruas do Microcentro, como a Lavalle. Quanto ao câmbio, para quem não se garante no castelhano, faça o câmbio na casa de câmbio e ponto. Aliás, ainda sobre dinheiro: todo mundo sabe que Argentina é um sinônimo de inflação galopante. Então, as notas de valor alto circulam como trocado, e por isso mesmo, são bastante falsificadas. Prestar atenção em detalhes simples como brilho dos números impressos, número de série e textura da nota são sempre coisas simples que podem nos livrar de furadas homéricas.
Dito isso, vamos ao turismo. Partindo do princípio que já sabemos andar de ônibus por lá (guardar moedas é sempre bom, mas melhor ainda é fazer uma Tarjeta Sube) e partindo do princípio que sabemos como chegar do nosso aeroporto ao hostel/hotel. Minha dica, principalmente para não iniciados, é sempre ir de Tienda León (independente se o voo chegar no Aeroparque ou em Ezeiza) e se hospedar por San Telmo, que tem uma onda charmosa e é perto suficiente das principais atrações para ir caminhando.
Os lugares que todo mundo tem que ir na primeira viagem, por mais óbvios que sejam, são o Caminito, a Feira de San Telmo, o cemitério da Recoleta (e arredores, com o Centro Cultural incluso), a Av. Corrientes e a Plaza de Mayo. São lugares cheios de turista, principalmente brasileiro, são lugares onde vendem lembrancinhas cafonas, mas são lugares pra ter certeza que se esteve em Buenos Aires. Quando falo na Corrientes, é claro, também coloco na lista o Obelisco, na esquina com a 9 de Julio (que tem que ser atravessada em parcelas e não tem nada de tão bom assim). Quando falo no Caminito, a Bombonera não está inclusa porque não gosto do Boca Jrs., mas tá ali. Quando falo da Plaza, a Casa Rosada (alô Cristina!) e a Florida estão inclusas. Uma das melhores coisas de Buenos Aires, aliás, é que o mapa é feito de quadradinhos perfeitos com ruas que raramente trocam de nome e as quadras são super bem indicadas. Por exemplo, se eu quiser ir na calle Defensa número 500, sei que são 5 quadras depois que a tal rua começa. Aliás, calle Defensa é por onde se desenrola a Feira de San Telmo. Ela começa na Plaza de Mayo e vai em direção ao sul da cidade. Uma olhada atenta ao mapa da cidade e, logo logo, a pessoa já se sente um nativo, sabendo que direções tomar. Outra coisa que é ótima para quem nunca esteve por lá é pegar o ônibus turístico, o Buenos Aires Bus. Todo mundo que conheço e fez esse passeio falou que é muito bom.
O metrô, vulgo Subte, não é tão legal quanto possa parecer. Primeiro porque tiraram de circulação os vagões charmosos de madeira da linha A, que eram dos anos 50 (ou 30, ou 20, sei lá). Depois porque a rede não cobre a cidade tão bem quanto deveria (a Recoleta, por exemplo, não tem metrô) e o horário é ruim (principalmente em um lugar onde os ônibus circulam 24 horas, não faz sentido ter trens só até as 23h). Mas ainda assim, as linhas são fáceis de entender dando uma olhada no mapa. Em resumo bem grosseiro, a linha vermelha passa embaixo da Av. Corrientes, a verde por baixo da Sta. Fe e a Azul, acompanha a Rivadavia. O melhor lugar para descobrir como chegar em determinado ponto e ainda indicar as linhas de ônibus é esse site.
E agora que sabemos nos locomover e visitar aquilo que todo mundo quer ver, peço licença para dar as dicas particulares de onde comer, beber, dançar e catar uns argentinos de mullets.
Comer:
– Alfajor El Cachafaz Maisena: Como ouvi uma vez, depois do Cachafaz, o alfajor Havana parece Turma da Mônica. Sério, o Cacha é a melhor coisa já inventada. A venda em bons kioskos e apenas em Buenos Aires. Ele é gordinho, super recheado e vale cada centavo (é um pouco mais carinho que os outros). Caloricamente, é uma refeição justa, mas quem liga pra isso?
– Parrilla El Desnivel: Fica na Defensa quase esquina com Av. Independencia. Praticamente impossível entrar nos domingos, pois o movimento é enorme em função da Feria de San Telmo, mas é um lugar justo. Esquece a roupa chique, é pra comer de pé com o choripan pingando graxa no chão.
– El Refuerzo em San Telmo: Um lugar minúsculo, tipo bodegão. Difícil conseguir lugar, mas a comida é ótima. Geralmente é um prato do dia bem servido, preço extremamente honesto e bom demais. Uma das melhores descobertas da minha última ida.
– El Sanjuanino, na Recoleta: Pertinho do cemitério e dizem que tem as melhores empanadas da Cidade. É um lugar turístico, mas não chega a ser aquela coisa de turista chato. Para os que querem ir além das empanadas ou o bife de chorizo com papas, que é uma delícia, recomendo muito o matambre relleno (matambre com uma massa tipo de empanada em volta, recheado com muito queijo e muito molho de tomate) e os temales (tipo uma pamonha, uma polenta, um negócio feito de milho com carne moída picante no meio, servido na palha do milho). Esse restaurante é especializado em comida típica argentina, então é o lugar para encontrar também o Locro, um cozidão geralmente comido nos feriados de Julho, uma comida pesada, bem para o frio mesmo, que mistura vários tipos de carne, grãos, etc.
– Peron Peron em Palermo: simplesmente o lugar mais divertido da história, principalmente para quem acha graça nas singularidades políticas argentinas. Espere por um altar dedicado à Evita, uma senha de wifi que faz referência a uma data peronista e pratos com nomes carregados de trocadilho. A comida em si é bem boa, quando se consegue fugir do mondongo. Destaque para o pimentão assado. A cerveja é maravilhosa. O preço não é tão nacional y popular quanto o nome sugere.
– Pizzarias em Buenos Aires geralmente são maravilhosas. A mais certa é a Güerrín (Av. Corrientes, 1368, entre a Uruguay e Talcahuano). É um clássico dos clássicos em uma cidade onde quase tudo é clássico. Na mesma Corrientes, existem milhares de outras opções iguialmente delícia, como a Las Cuartetas e a Gênova. Só não recomendo a rede UGI, que é barata e ruim. Nem a Kentucy, igualmente barata mas menos ruim. Dica cultural importante: as pizzas por lá são bem tradicionais, nada daquele monte de pizza de sorvete com mamão e presunto que temos aqui no Brasil. Uma vez descobri, sabe-se lá como, um rodízio em Buenos Aires. Aguardei ansiosamente a pizza de milho e quando ela chegou, tinha UM GRÃO DE MILHO em cima. Juro. Então, pra facilitar, fica o dicionário – morrón é pimentão, jamón é presunto, queso é queso e dificilmente tua pizza vai ter muito mais que isso.
– Sorveteria Nonna Bianca: Dá de mil na rede Freddo, juro. Sabores mudam quase diariamente. A “Nonna” em questão deve ser a senhorinha antipática do caixa. Dica é pedir o ¼ de quilo (sim, a medida padrão de consumo de sorvete do argentino é UM QUARTO DE QUILO) com três sabores. A maioria dos sabores de frutas não levam leite, ou seja, veganos também se divertem.
Bares sensacionais para la previa!
Previa é como eles chamam o “esquenta”. Considerando que a noite porteña não começa antes das 2h30, dá pra imaginar que a prévia é looonga. A ideia é já chegar no boliche (boate, não confundir com aquele jogo da bolinha e das garrafas) num estado adequado para dançar cumbia até o chão.
– De Bar: Bar com temática rock’n’roll. Tem noites dedicadas às variantes do estilo, e é daqueles que no subsolo tem uma pista para espichar a noite por lá mesmo. Comidas okeis, cerveja mais okei ainda, bonsh drinksh. Pessoas bonitas y feas também.
– La Puerta Roja: MEU LUGAR EM BUENOS AIRES, simples assim. Tem que prestar atenção quando passa, porque não tem letreiro, só a tal porta vermelha. Maior delícia do universo são os Super Nachos, porção ogra composta por uma montanha de Doritos com muito queijo, guacamole, chilli, cheddar…toda essa maravilha pra comer com a mão e chegar cheiroso na balada depois. Música boa. Pessoas interessantes. Dependendo do dia e horário, tem 2×1 (ou seja, paga um leva dois). Tem Fernet!! Chegar cedo pra pegar lugar e aproveitar o 2×1 sempre é uma boa. Se eu for pra Buenos Aires pra passar apenas 24h, pelo menos 4h dessas 24 vão ser dentro do La Puerta Roja, então sou suspeita pra falar.
– Le Merval: Baseado na Bolsa de Valores (que na Argentina chama Merval). Ou seja, quanto mais um drink é pedido, maior o valor dele, e vice-versa. Boa chance pra tomar aqueles drinks que ninguém quer, já que custam menos. Antigamente, achava mais bem frequentado. Das últimas vezes, achei meio coxa. Mas segue sendo um bonito lugar e, melhor, bem no centro!
– John John: Atenção especial para esse lugar absolutamente singular que conheci na minha última visita à Ciudad. Fica no centro e é onde a galerinha que trabalha nas redondezas faz seus áááfter (after, a happy hour deles). Vale ir na sexta-feira, chegar cedão (tipo 18h) e lá pelas 21h, quando abrirem a pista que só toca cumbia, a diversão é como se já fosse alta madrugada em qualquer outro ponto da cidade. Lugar absolutamente divertido, vale demais a pena para quem quer interagir com locais.
Tango
Olha, sou uma entusiasta do tango. De verdade. Cresci com o ritmo, e possivelmente muito do meu amor pela Argentina se deve à música.
Existem várias maneiras de apreciar o tango em Buenos Aires. Uma delas é o típico para turistas oferecido pelo Café Tortoni (lugar lindo e clássico, mas excessivamente turístico, na Av. de Mayo). O show de tango é bonito, mas é muita firula. Aquilo que eu carinhosamente chamo de “Circo de Vladvostok”. Quando fui com meu pai, em outubro de 2012, era 55 reais (reais) por pessoa, só pelo show, sem comida nem bebida. É bem bonito, mas é meio coisa pra gente velha. Vale pra dizer que foi, mas se o tempo for curto, vale pesar bem o investimento.
Esquina Homero Manzi – nunca fui, mas recomendei pra muita gente e todos disseram que é incrível. Bem turístico, mas muito mais barato que o Tortoni. Se paga um valor tipo 200 pesos e tem jantar e show de tango, com transporte. A esquina Homero Manzi, cujo nome homenageia, obviamente, o compositor, fica num bairro afastado, se não me engano, San Cristóbal, então é melhor comprar um pacote completo com transporte incluso. Acredito que hotéis e os vendedores da Florida vendam esse tipo de pacote para lá. Quem foi, só agradeceu a dica.
Sugestão baratésima: Plaza Dorrego (San Telmo, nas esquinas de Humberto Primo. y Defensa) – todas as sextas-feiras à noite, os bares da praça botam mesas na calçada e tem show de tango com músicos e um casal dançando. É o estilo “passa o chapéu”, ou seja, tu só paga pelo show se quiser. É uma experiência extremamente agradável para tomar um chopp, comer uma pizza e curtir o ambiente. Geralmente o preço dos bares não é o melhor, nem a comida, a mais gostosa…mas o clima vale o investimento. Costumava bater ponto lá quando morava em San Telmo.
La Catedral (Sarmiento, 4006, Almagro) – Que lugar mais INCRÍVEL que é a Catedral. É uma típica milonga (local onde o pessoal se reúne para dançar tango), mas com um clima jovem, descolado, intimista. Durante o dia, tem aula para todos os níveis, e tanto locais quanto turistas dançam (muito) durante a noite. As pizzas vegetarianas são ótemas! E a linha 24 do ônibus deixa na frente. Para fugir dos roteiros “de brasileiro”, A Catedral é uma ótima.
Outras dicas que valem uma procurada no Google: La Bomba de Tiempo (show de percurssão nas segundas-feiras no Konex, em Almagro), milongas em San Telmo (como La Bendita ou La Maldita), o Rosedal de Palermo, o Planetário, as feiras de nacionalidade que acontecem quase todo final de semana na Av. de Mayo (procurar no Facebook pela Agenda Cultural de BsAs), o Barrio Chino de Belgrano e o Museu do River Plate (mil vezes mais legal que o do Boca Jrs.), a El Ateneo da Santa Fe (pra comprar, o atendimento da Ateneo da Florida é melhor), café La Poesia em San Telmo e a Feria de Mataderos aos domingos.
Lugares que não valem a pena jamais: zoológico (tanto o de Buenos Aires quanto o de Luján, aquele onde se entra nas gaiolas). Zoológico nunca é legal. É exploração.
Bom, como deu pra perceber, sou uma porteña honorária (e exibo com orgulho minha documentação argentina). Poderia ficar umas 20 páginas escrevendo sobre tudo que me encana naquele lugar, mas sempre ia lembrar de um ou outro detalhe, de uma ou outra história. Fato é que é um lugar onde eu sempre quero voltar e onde eu me encontrei. Como diz o tango, “Bajo tu amparo no hay desengano, vuelan los años, se olvida el dolor”. Aliás, para finalizar, sugiro duas músicas. Não só a óbvia “Mi Buenos Aires Querido”, do (uruguaio) Carlos Gardel, como também esse rock incrível da não menos genial Bersuit Vergarabat. La Argentinidad al Palo fala muito daquela figura estranha que é o argentino, uma mistura de orgulho com auto deboche, de ser o melhor e o pior, de ser um recorte de tudo ao mesmo tempo:
by Soraya Bertocello
Jornalista e publicitária.