Na semana passada citei aqui no ‘Lá Vai Ela’ algumas das formas de locomoção que eu e 90% dos turistas do mundo – acho que só os caminhantes de Compostela vão de outro jeito – usamos quando arrastamos as malas por aí. Vagões, duas rodas, asas, quatro rodas e transatlântico. Pois então, começarei pelo trem: my darling one.
Não é a toa que sempre que posso resisto às tentações easyjetianas e compro meu bilhete por terra mesmo. Não, não tenho medo de avião (se eu morrer voando morri feliz por estar viajando). A questão toda é que o trem é o mais europeu dos meios de transporte e isso por si só me conquista. Adoro fingir que estou vivendo alguma história da Agatha Christie, bebericando chá embaixo do Canal da Mancha ou no falecido Expresso do Oriente.
Mas tudo é ampliado pelo fato de ser um jeito muito eficiente de percorrer pequenos países, já que dificilmente atrasa e te teletransporta do centro de uma cidade para outra. É, soa impossível visualizar isso no nosso Brasilzão de estradas esburacadas, 8 milhões de quilômetros quadrados e carros em excesso. Mas a ideia é evitar os deslocamentos, aeroportos lotados e infinitas filas de raio-x. Me sinto muito mais confortável sem pressão no ouvido e sem os olhares de reprovação pelos 32kg de roupas e tarecos que insisto em carregar. Ali, é cada um por si. Desde o lugar para acomodar a bagagem até a validação da passagem, todo mundo toma conta da sua vida, lê seu livro e, com alguma sorte, aprecia uma vista legal pela janela. E ainda dá para descolar um café ou aproveitar o tempo no wifi sobre os trilhos.
O trem bala japonês ainda está na minha lista, pois o mais perto que cheguei disso foi no AVE que me levou de Barcelona a Madrid, voando a 300 quilômetros por hora. A alta velocidade parece mesmo ter tomado conta das ferrovias européias: TGV na França, Thalys nos Países Baixos e muitos outros andam também bem rapidinho, já que 100 milhões de pessoas dependem disso todo o ano. Sobra para a Itália, Grécia e países do leste o título de mais lentos e/ou fora de forma. Experimentei poltronas caindo aos pedaços, horários um tanto quanto flexíveis e um vagão estilo União Soviética trazendo bebuns da Oktoberfest. Mas nada, na-da se compara a entrar na cabine e descobrir que mais 5 pessoas dividirão 10 metros quadrados contigo nas próximas 12 horas. Incluindo um senhor flatulento.
No entanto, também foi numa cabine que viajei como se navegasse em águas doces: cama arrumadinha, travesseiro limpo e uma noite de sono na horizontal, me deixando pronta pra conhecer o destino. E foi sob águas de verdade, dessa vez cruzando a Dinamarca para tentar chegar na Alemanha, que descobri que trens também atravessam estreitos e sobem em balsas, se “reencaixando” na saída e seguindo o rumo.
Incrível e inesquecível, como toda a viagem deveria ser.
By Marcella Lorenzon